rapa de angu é um bom tira gosto - foto da Leticia Caetano

terça-feira, 15 de março de 2011

Na Savassi com Júlia - Marisa Cardoso


Nas férias vou te capturar. E faremos de novo todo aquele percurso que gostávamos tanto, observando as pequenas coisas que costumavam encher nosso dia de encantamento. Depois de andar pela Praça da Liberdade, tendo tempo de apreciar suas flores e o imponente Palácio, desceremos a Cristóvão Colombo, contemplando, admiradas, o belo casarão neoclássico que abrigava a Secretaria de Estado da Cultura.
Andaremos com calma, atravessando a (rua) Sergipe, descendo até o antigo Pathé, onde seu pai e eu víamos os cultuados “filmes de arte”, tentando entender seu conteúdo ao sabor de uma pizza e chopes gelados na Traviatta, e, depois de muita discussão, apenas ríamos, aproveitando o aconchego e o cheiro especial da Itália que invadia o lugar.
Entraremos em algumas lojas onde você certamente vai achar algo parecido com aquele vestido que deixamos de comprar quando você tinha 13 anos e queria disfarçar a falta de busto, influenciada pela excessiva valorização das mulheres volumosas, enaltecidas pelas revistas de celebridades. Na Zótika experimentaremos óculos coloridos, modernos, às vezes exóticos demais; você pegará aqueles enormes, iguais aos da Dona Risoleta, fazendo poses de super star, idênticas às de todas as adolescentes quando estão diante de uma câmera digital.
Faremos um acordo e você me acompanhará até os brechós, onde, como sempre, vou comprar um vestido que nunca usarei, pegarei broches e anéis e brincos, admirando um a um, em dúvida se faço uma nova dívida com acessórios que ajudarão a enfeitar meus dias quando você não estiver mais aqui comigo.
Ainda como sua concessão, visitaremos aquele antiquário onde sempre me encanto com uma namoradeira, vasos delicados e armários de madeira pesada, duradoura, ao contrário das peças e relações contemporâneas, tudo tão fluido, tão volátil, tão fugaz...
Então, famintas, iremos degustar, gulosamente, crepes, pastéis de palmito e camarão, e você, como faz usualmente, tomará água mineral no lugar de suco, e me lançará um olhar de censura por estar bebendo tão sofregamente uma caipivodka às três horas da tarde, dando gargalhadas em decibéis acima do suportável para uma moça de 17 anos que acompanha a mãe em seu programa preferido nas suas raras tardes de ócio.
Para encerrar o passeio, já um pouco cansadas, percorreremos alguns cafés pelo meu puro prazer de ver o burburinho das conversas sobre os últimos lançamentos de livros e filmes, temperadas por notas lancinantes de jazz e tilintar de taças de vinho e rum.
E você, exausta, me pedirá pra ir até a Travessa, repetindo o mesmo delicioso roteiro da sua infância. Irá comprar pelo menos três livros com meu cartão de crédito - que você julgava ser ilimitado quando tinha sete anos -, comeremos a cremosa torta de chocolate alemão, vasculharemos as muitas sacolas saboreando as nossas loucas aquisições e nos olharemos, cúmplices, companheiras, completas, felizes, como sempre nos sentíamos ao caminhar à-toa, de férias, pelas ruas da Savassi.

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